sábado, novembro 05, 2011

"A memória dos amigos"

Este ano assinala-se o centenário dos escritores, António Alves Redol (Vila Franca de Xira, 29 de Dezembro de 1911) e Manuel Lopes Fonseca, mais conhecido como Manuel da Fonseca (Santiago do Cacém, 15 de Outubro de 1911). Assinalamos, aqui, esta efeméride, através das sábias palavras do jornalista e escritor Baptista Bastos.

"A memória dos amigos"
"O Governo deixou passar em escuro os centenários do nascimento de Alves Redol e de Manuel da Fonseca. São dois dos maiores escritores da literatura portuguesa. Mas eram neo-realistas e, por isso, desdenhados pela miuçalha que voeja nos canais da cultura. E o Governo actual não é propriamente um arfante frequentador de livros. Basta ouvi-los. Aquela constante troca da expressão "competitividade" por "competividade" causa apreensão. Enfim. A verdade é que qualquer dos dois autores nos legou uma obra incomum e algumas obras-primas. Gaibéus, inaugura o movimento, cujas características se aproximavam do "realismo socialista", ou Barranco de Cegos ou, ainda, entre outros mais, o extraordinário A Barca dos Sete Lemes, de Redol, são textos definitivos, se a expressão não vai incomodar os espíritos de libélula. E O Fogo e as Cinzas, Cerromaior e Seara de Vento, de Manuel da Fonseca, instituem uma nova maneira de se entender a literatura, para se compreender o mundo. Fonseca introduz a short storie e escreve com, apenas setecentas palavras, reduzindo a zero as gorduras da retórica.

Não me interessa, agora, escarmentar um actual membro do Executivo que, em tempos, qualificou de medíocre os livros de Redol. As acções e as definições ficam para quem as pratica. Mas a memória regista e conserva a pelintrice. Manuel da Fonseca e Alves Redol eram amigos, companheiros e camaradas. Redol morreu novo, com 58 anos, e o seu funeral, em Vila Franca de Xira, por um dia embatente de frio, mobilizou muitos milhares de pessoas. A cidade estava cercada de pides, e a emoção popular só teve paralelo com o enterro de António Sérgio. Do património da Esquerda fazem parte integrante esses protagonistas anónimos que, quando é preciso, enchem as ruas, as praças e as cidades, e obrigam a Direita, que dispõe da polícia e da violência, a posar de fera sem unhas.

Redol era o mais bondoso e generoso de todos os homens que conheci. Até os desaforos de que era alvo, as injúrias com que o feriam, pareciam não o afectar grandemente. Uma alma de mármore num corpo de porcelana. E um escritor incansável, com larguíssimo volume de leitores, consciente da responsabilidade do ofício, e do efeito que as palavras podem ter. Manuel da Fonseca, um amigo devotado e o mais felino dos sarcastas. Certa ocasião, uma senhora que muda a cor do cabelo consoante os dias pares ou ímpares, escreveu, numa gazeta semanal, que o Manuel da Fonseca era muito simpático, mas o facto de ser neo-realista a espavoria. Rimo-nos da alarvidade presunçosa. E o Manuel da Fonseca, que não era para graças, resumiu numa frase mortal, o seu desprezo monográfico: "Coitada, é tão feia!"

O Governo cumpre o seu papel de os esquecer. O nosso, é o de sacudir estas inércias, e relembrá-los, com emoção e orgulho".
por BAPTISTA-BASTOS, 02 Novembro 2011 - Diário de Notícias

sexta-feira, novembro 04, 2011

Corre, raio de rio, e leva ao mar

Corre, raio de rio, e leva ao mar
A minha indiferença subjetiva!
Qual "leva ao mar"! Tua presença esquiva
Que tem comigo e com o meu pensar?

Lesma de sorte! Vivo a cavalgar
A sombra de um jumento. A vida viva
Vive a dar nomes ao que não se ativa,
Morre a pôr etiquetas ao grande ar...

Escancarado Furness, mais três dias
Te aturarei, pobre engenheiro preso
A sucessibilíssimas vistorias...

Depois, ir-me-ei embora, eu e o desprezo
(E tu irás do mesmo modo que ias),
Qualquer, na gare, de cigarro aceso...
Álvaro de Campos (Fernando Pessoa) - Barrow-On-Furness

quinta-feira, novembro 03, 2011

Dicionário Camões

Portugal e os países de expressão portuguesa vão dispôr a partir da segunda quinzena de novembro de mais uma ferramenta: O Dicionário Luís de Camões.
É o primeiro dedicado à vida e obra do poeta. Foi elaborado por especialistas nacionais e estrangeiros sob coordenação de Vítor Aguiar e Silva, numa edição da Caminho.
A obra, envolveu 69 colaboradores de várias nacionalidades e reúne cerca de 200 artigos sobre aquele que é considerado “o poeta da nacionalidade”, pelo facto de ter escrito a epopeia moderna “Os Lusíadas”.
“Para nós portugueses, Camões cria a única mitologia cultural digna desse nome ainda viva e, apesar das aparências, mais viva do que nunca como texto profético da nossa perenidade sempre em instância do naufrágio”, escreveu o pensador Eduardo Lourenço num ensaio sobre o dicionário publicado na revista Ler de Outubro.
Ao longo de mil páginas, o Dicionário de Luís de Camões, considerado o grande acontecimento editorial de 2011, fornece aos leitores informação rigorosa e atualizada sobre a biografia, a obra lírica, épica, dramatúrgica e epistolar de Camões, a respetiva contextualização histórico-literária, os seus problemas filológicos e a influência e a crítica camonianas nos diversos períodos da literatura portuguesa.
Este dicionário dedicado ao poeta quinhentista inclui ainda informação sobre a receção da sua obra nas principais literaturas mundiais, da espanhola à brasileira e à norte-americana.

quarta-feira, novembro 02, 2011

Calimero

Calimero é um desenho animado de origem italiana que narra a história de um meigo, mas infeliz pintinho (o único negro da família de galos amarelos). Este pintinho tem a particularidade de ter metade de uma casca de ovo na cabeça.
Os personagens, destes desenhos animados, nasceram das mãos de Nino e Toni Pagot e começaram como estrelas de uma série de anúncios publicitários (de sabão) italianos. Toda a gente rejeitava o Calimero por causa de sua aparência, mas quando era lavado, ficava branco e tudo mudava. O sucesso destes anúncios foi de tal ordem que os personagens voaram até ao Japão e transformaram-se numa série de filmes de animação destinados ao público infanto-juvenil.
Calimero atua juntamente com a sua eterna noiva Priscila (uma tímida ave com senso comum), o pássaro esverdeado Valério ( que é o aprendiz de cineasta), a pata de peso Susi, outro pato esverdeado de peso Piero (que é o eterno noivo de Susi), e uma outra tímida ave Rosella (a eterna noiva de Valério). Na maioria das vezes, a série consiste nas muitas aventuras dos personagens para resolverem mistérios e fazerem documentários. Aventuras, contudo, que os colocam em grandes riscos.
A série é uma co-produção (de 1973 a 1974 e de 1993 a 1994) entre a Itália e o Japão e pode ser englobada nos géneros: comédia, ação, aventura, infanto-juvenil.
Se não conhece não perca! Se já conhece o Calimero, recorde esta ternurenta personagem.

terça-feira, novembro 01, 2011

Um "Pão Por Deus"

A Igreja Católica celebra a Festum Omnium Sanctorum
a 1 de novembro (a festa do dia de Todos-os-Santos é celebrada em honra de todos os santos e mártires, conhecidos ou não) a que se segue o dia dos fiéis defuntos, a 2 de novembro.
Em Portugal, no dia de Todos-os-Santos as crianças saem à rua e juntam-se em pequenos grupos para pedir o pão por Deus de porta em porta. As crianças quando pedem o pão por Deus cantam e recitam versos após o que recebem como oferendas: pão, broas, bolos, romãs e frutos secos (nozes, amêndoas ou castanhas) que colocam dentro de sacos de pano. É também costume em algumas regiões os padrinhos oferecerem um bolo, o San
toro
. Em algumas povoações chama-se a este dia o "Dia dos Bolinhos".
Pensa-se que esta tradição teve origem em 1756, na cidade de Lisboa (1 ano depois do grande terramoto que destruiu a cidade). A 1 de novembro de 1755 ocorreu o terramoto que afectou Lisboa, no qual morreram milhares de pessoas. A população da cidade, que era na su
a maioria pobre, mais pobre ficou, após tal catástrofe.
Como a data do terramoto coincidiu com uma data com significado religioso (1 de novembro), de forma espontânea, no dia em que se cumpria o primeiro aniversário do sismo, a população aproveitou a solenidade do dia para desencadear, por toda a cidade, um peditório, com a intenção de minorar a situação difícil em que se encontrava. As pessoas, percorriam a cidade, batiam às portas e pediam que lhes fosse dada qualquer esmola, mesmo que fosse pão, dado grassar a fome pela cidade. E, ao fazê-lo as pessoas pediam: "Pão por Deus".

Esta tradição perpetuou-se no tempo, sendo sempre comemorada neste dia e tendo-se propagado gradualmente a todo o país. Atravessou, depois, o oceano chegou aos Açores, e à Madeira e viajou até o Brasil.
Na cidade de Lisboa o Pão por Deus é, contudo, uma tradição em vias de extinção. Só esporadicamente e em alguns bairros é que as crianças andam a fazer este peditório.
Até a comunicação social, contribui para o empobrecimento da nossa memória coletiva e o desaparecimento de algumas destas tradições. Neste dia, as estações de TV, a Rádio e os jornais, falam mais no Halloween, do que no "Pão por Deus".
Para que não esqueça o " Pão por Deus", aprecie agora os versos de uma das cantilenas usadas para o pedir:

“Pão por Deus,
Fiel de Deus,
Bolinho no saco,
Andai com Deus.”

Ou então:
“Bolinhos e bolinhós
Para mim e para vós
Para dar aos finados
Qu’estão mortos, enterrados
À porta daquela cruz

Truz! Truz! Truz!
A senhora que está lá dentro

Assentada num banquinho
Faz favor de s’alevantar

P´ra vir dar um tostãozinho.”

Quando os donos da casa dão alguma coisa:
“Esta casa cheira a broa
Aqui mora gente boa.
Esta casa cheira a vinho
Aqui mora algum santinho.”

Quando os donos da casa não dão nada:
“Esta casa cheira a alho
Aqui mora um espantalho
Esta casa cheira a unto
Aqui mora algum defunto.”

segunda-feira, outubro 31, 2011

dou.pt


O dou.pt é um portal que entrará em funcionamento hoje dia 31 de Outubro, Dia Mundial da Poupança. O projecto dou.pt será apresentado, oficialmente, na Gulbenkian no dia 3 de Novembro.
O site http://dou.pt ajuda-o a desfazer-se daquilo de que já não precisa porque é um Portal de Doações e pretende revolucionar a forma como os bens circulam em sociedade. Esta plataforma online destina-se a unir quem já não quer a quem ainda precisa. O conceito é muito simples. Na própria definição dos criadores do projecto, a lógica é esta: o dou.pt é uma "plataforma nacional para a reutilização de bens, que faz a ponte entre quem se quer desfazer de um bem e quem o pretende receber".
Este projecto é a criação de "um grupo de amigos, todos entre os 25 e 35 anos, que trabalham no mesmo, em regime de voluntariado, ou seja como hobby".
A quem poderá interessar o dou.pt? Virtualmente a qualquer pessoa, que irá doar ou receber. Imagine que tem um mono lá em casa - um frigorífico ou uma máquina de lavar, por exemplo - e que se vai mudar para uma casa nova que já tem tudo isso. Talvez seja difícil vender esse mono, porque já lhe deu muitos anos de uso, mas será certamente fácil encontrar alguém que precise mesmo desse eletrodoméstico e que ainda lhe possa dar mais uns anos de vida. Imagine que, por outro lado, quer comprar uma mesa e quatro cadeiras e que não tem dinheiro para isso. Basta ir ao dou.pt e poderá encontrar alguém que se queira desfazer de semelhante conjunto. É o equivalente online, do antigo método de pôr as mobílias velhas à porta de casa, à disposição dos transeuntes.
No dou.pt, todos os artigos vão estar georeferenciados e organizados por categorias o que permitirá uma grande facilidade de consulta. O projecto prevê ainda que todos os objectos que não encontrem novos donos, possam ser reciclados de forma sustentável.

domingo, outubro 30, 2011

Dizendo que é só amor

Dizendo que é só amor
fazes Deus menor que Deus
cercas o ilimitado
dos limites que são teus.

Deixa de estufar o peito
quando fazes tuas rondas
talvez teu cérebro seja
só um bom detector de ondas.

Do que é o Espírito Santo
só diga quem fique mudo
que palavra há que me leve
àquele nada que é tudo.

E venha filosofia
teologia que farte
o que se pense de Deus
é só de Deus uma parte.

Nunca voltemos atrás
tudo passou se passou
livres amemos o tempo
que ainda não começou.

É só bem dentro de nós
que o projeto se anuncia
se retoma se reforma
e se volta à luz do dia.


É o mundo que nos coube
perpétua ronda de amor
do criado ao incriado
por sua vez criador.

Mais longe estás se houve início
mais perto se o tempo finda
e a rosa que em ti abriu
é em mim botão ainda.

Mais que a teu Deus sê fiel
ao que tu sejas de Fé
talvez o Deus que te crias
oculte o Deus que Deus é.
Mais que tudo quero ter
pé bem firme em leve dança
com todo o saber de adulto
todo o brincar de criança.

O mundo é só o poema
em que Deus se transformou
Ele existe e não existe
tal a pessoa que sou.

Todo momento que foge

a eternidade encerra
só atingirás o céu
por cuidado passo em terra.

Talvez seja isto somente
o de mais perfeito ensino
ter homem a liberdade
de se entregar ao destino.

Divino espírito santo
senhor do imprevisível
me toma pois da verdade
só quero o que for incrível.

Como durmo sossegado
sabendo que por mim vela
uma coisa que sonhando
vivo me tem dentro dela.
Agostinho da Silva