sábado, março 08, 2014

INSUBMISSÃO

Somos corsárias
febris
Li ZiJian - Fairy Tales
... por areias dos desertos

Seguimos estrelas cadentes
e montando os nossos sonhos
cumprimos roteiros incertos

Vamos atrás das paixões
com o faim à cintura
e a pena no coração

Para escrevermos poesia
invertendo o cantochão

Com a arte da insídia
olhamos o horizonte alucinando
os oásis, abismando sortilégios

Escutamos os clamores
os oceanos celestes
nos silêncios dos desertos

Buscamos os infiéis
com olhos de expiação

Somos hábeis e seguras
ambíguas, doces, cruéis
nós partimos sem regresso

Ora flibusteiras
em horas de cerração
entre a paixão e o inverso

Ora piratas do limbo
abandonando os arquétipos

A cimitarra à cintura
e o júbilo no coração
pelo avesso dos versos

Somos a rosa e o espinho
a sombra no seu desvão

Entre o fuso e o enigma
a navalha entreaberta
e os nevoeiros secretos

Somos corsárias
sonhando
nas areias dos desertos
Maria Teresa Horta - 8 de março de 2013; DIA INTERNACIONAL DA MULHER

sexta-feira, março 07, 2014

Confeito Saudade

Oiça Letícia Persiles em "Confeito Saudade".  Letícia Persiles (1983) é uma atriz e jovem cantora brasileira. Letícia foi vocalista da banda Manacá e recentemente divulgou o seu trabalho a solo, o CD "As Cartas de Amor e Saudade". "Confeito Saudade" é uma das canções deste seu CD. Aprecie, então, esta jovem intérprete brasileira. Vai ver que é uma grande surpresa e um enorme prazer.

Sete luas de espera
Palpitante em meu peito o ar
Uma rosa bem madura
Que aqui nasceu vermelha

Tem um gato no telhado
Embaixo das nuvens que estão
Batidas em clara em neve
Clara como os lírios são

Nessa tarde confeitada sol e chuva a brilhar
Casamento de viúva tem no céu um quindim manjar
Nessa tarde chuva e sol casamento de espanhol
Tem no céu um pudim de leite
Tarde de saudade recheada

Sete luas de espera
Palpitante em meu peito o ar
Uma rosa bem madura
Que aqui nasceu vermelha

Tem um gato no telhado
Embaixo das nuvens que estão
Batidas em clara em neve
Claras como os sonhos bons

Nessa tarde confeitada sol e chuva a brilhar
Casamento de viúva tem no céu um quindim manjar
Nessa tarde chuva e sol casamento de espanhol
Tem no céu um pudim de leite
Tarde de saudade recheada (2x)

Cai a tarde fecha o tempo
Treme a rosa no meu peito"

quinta-feira, março 06, 2014

O Tapete Vermelho

O "Tapete Vermelho" é um pequeno documentário, (realizado e produzido por Manu Fernandez e Iosu López) filmado em novembro de 2010 na cidade indiana de Bombaim.
Este documentário chama a atenção para o facto de quase 158 milhões de pessoas viverem em condições insalubres em centenas de bairros de lata na Índia. Mas, cada uma destas pessoas tem um sonho. Milhões de crianças brincam e divertem-se entre lixo, vacas, ratos e excrementos. Garib Nagar, situado no distrito oriental de Bandra, Bombaim, é a casa de Rubina uma menina de 12 anos que sonha em se tornar uma actriz para transformar o seu bairro de lata  num local limpo e habitável.
Este documentário foi selecionado para estar presente em mais de 80 festivais internacionais de cinema em todo o mundo e indicado, para a categoria de melhor curta metragem - documentário, para os Goya Awards de 2014.
Manuel Fernández, nasceu em Espanha em 1978. Tem uma licenciatura em Estudos de Comunicação na Universidade Complutense de Madrid e estudou cinema na Universidade de Sydney (SCA). Realizou o documentário "Esperanto: Aqueles que amam a música, Love Life (2006)",  "O Imp do Perverse (2007) e um curta-metragem em 2007.
Iosu López, nasceu em Espanha também em 1978, trabalhou com uma variedade de medias antes de abandonar tudo para realizar um sonho de infância: viajar por terra, de Norte para o Sul, pela América do Norte. O resultado foi "A Costura da América (2010)", um conto autobiográfico de uma jornada solitária.
Fique agora com quatro vídeos acerca d' " O Tapete Vermelho".
O "Trailer" do documentário "O Tapete Vermelho". 
La Alfombra Roja / The Red Carpet (Trailer) - ESPAÑOL from Iosu López on Vimeo.
O "Making Of" do documentário "O Tapete Vermelho". 
La Alfombra Roja / The Red Carpet (Making of) from Mochileros TV on Vimeo.
O "Teaser" de Rubina, do documentário " O Tapete Vermelho". 
La Alfombra Roja / The Red Carpet (Teaser Rubina) from Iosu López on Vimeo.
A Banda Sonora (tema principal) do Documentário "O Tapete vermelho".

quarta-feira, março 05, 2014

Poema de uma Quarta Feira de Cinzas

António Soares - Quarta Feira de Cinzas
Entre a turba grosseira e fútil
Um pierrot doloroso passa.
Veste-o uma túnica inconsútil
feita de sonho e de desgraça…
o seu delírio manso agrupa
atrás dele os maus e os basbaques.
Este o indigita, este outro apupa…
indiferente a tais ataques,
Nublaba a vista em pranto inútil,
Dolorosamente ele passa.
veste-o uma túnica inconsútil,
Feita de sonho e de desgraça…
Manuel Bandeira - Carnaval”, 1919, Coletânea de poemas feita pelo autor.

terça-feira, março 04, 2014

Um Carnaval

Vem ao baile vem ao baile
Pelo braço ou pelo nariz
Vem ao baile vem ao baile
E vais ver como te ris
Deixa a tristeza roer
As unhas de desespero
Deixa a verdade e o erro
Deixa tudo vem beber
Vem ao baile das palavras
que se beijam desenlaçam
Palavras que ficam passam
Como a chuva nas vidraças
Vem ao baile oh tens de vir
E perder-te nos espelhos
Há outros muito mais velhos
Que ainda sabem sorrir
Vem ao baile da loucura
Vem desfazer-te do corpo
E quando caíres de borco
A tua alma é mais pura
Vem ao baile vem ao baile
Pelo chão ou pelo ar
Vem ao baile baile baile
E vais ver o que é bailar.
Alexandre O´Neill - (1924 – 1986) - Poeta, cronista e tradutor, fundador do Movimento Surrealista de Lisboa com Mário Cesariny, José Augusto França e António Pedro.

segunda-feira, março 03, 2014

Carnaval

A vida é uma tremenda bebedeira.
Eu nunca tiro dela outra impressão.
Passo nas ruas, tenho a sensação
De um carnaval cheio de cor e poeira...

A cada hora tenho a dolorosa
Sensação, agradável todavia,
De ir aos encontrões atrás da alegria
Duma plebe farsante e copiosa...

Cada momento é um carnaval imenso
Em que ando misturado sem querer.
Se penso nisto maça-me viver
E eu, que amo a intensidade, acho isto intenso

De mais... Balbúrdia que entra pela cabeça
Dentro a quem quer parar um só momento
Em ver onde é que tem o pensamento
Antes que o ser e a lucidez lhe esqueça...

Automóveis, veículos, (...)
As ruas cheias, (...)
Fitas de cinema correndo sempre
E nunca tendo um sentido preciso.

Julgo-me bêbado, sinto-me confuso,
Cambaleio nas minhas sensações,
Sinto uma súbita falta de corrimões
No pleno dia da cidade (...)

Uma pândega esta existência toda...
Que embrulhada se mete por mim dentro
E sempre em mim desloca o crente centro
Do meu psiquismo, que anda sempre à roda...

E contudo eu estou como ninguém
De amoroso acordo com isto tudo...
Não encontro em mim, quando me estudo,
Diferença entre mim e isto que tem

Esta balbúrdia de carnaval tolo,
Esta mistura de europeu e zulu
Este batuque tremendo e chulo
E elegantemente em desconsolo...

Que tipos! Que agradáveis e antipáticos!
Como eu sou deles com um nojo a eles!
O mesmo tom europeu em nossas peles
E o mesmo ar conjuga-nos

Tenho às vezes o tédio de ser eu
Com esta forma de hoje e estas maneiras...
Gasto inúteis horas inteiras
A descobrir quem sou; e nunca deu

Resultado a pesquisa... Se há um plano
Que eu forme, na vida que talho para mim
Antes que eu chegue desse plano ao fim
Já estou como antes fora dele. É engano

A gente ter confiança em quem tem ser...
(...)
Olho p'ró tipo como eu que ai vem...
(...)
Como se veste (...) bem
Porque é uma necessidade que ele tem
Sem que ele tenha essa necessidade.

Ah, tudo isto é para dizer apenas
Que não estou bem na vida, e quero ir
Para um lugar mais sossegado, ouvir
Correr os rios e não ter mais penas.

Sim, estou farto do corpo e da alma
Que esse corpo contém, ou é, ou faz-se...
Cada momento é um corpo no que nasce...
Mas o que importa é que não tenho calma.

Não tenciono escrever outro poema
Tenciono só dizer que me aborreço.
A hora a hora minha vida meço
E acho-a um lamentável estratagema

De Deus para com o bocado de matéria
Que resolveu tomar para meu corpo...
Todo o conteúdo de mim é porco
E de uma chatíssima miséria.

Só é decente ser outra pessoa
Mas isso é porque a gente a vê por fora...
Qualquer coisa em mim parece agora
Álvaro de Campos - s.d. - “Carnaval”-  Livro de Versos . Fernando Pessoa. Lisboa: Estampa, 1993. 

domingo, março 02, 2014

É Carnaval, e estão as ruas cheias

É Carnaval, e estão as ruas cheias
De gente que conserva a sensação,
Tenho intenções, pensamento, ideias,
Mas não posso ter máscara nem pão.

Esta gente é igual, eu sou diverso —
Mesmo entre os poetas não me aceitariam.
Às vezes nem sequer ponho isto em verso —
E o que digo, eles nunca assim diriam.

Que pouca gente a muita gente aqui!
Estou cansado, com cérebro e cansaço.
Vejo isto, e fico, extremamente aqui
Sozinho com o tempo e com o espaço.

Detrás de máscaras nosso ser espreita,
Detrás de bocas um mistério acode
Que meus versos anódinos enjeita.

Sou maior ou menor? Com mãos e pés
E boca falo e mexo-me no mundo.
Hoje, que todos são máscaras, és
Um ser máscara-gestos, em tão fundo...

Álvaro de Campos - s.d. "Carnaval"- Livro de Versos . Fernando Pessoa. Lisboa: Estampa, 1993.